O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A COSMOLOGIA MEDIEVAL E A NAVEGAÇÃO NÓRDICA


                         Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)

O abandono de Vinland e a colonização nórdica no Atlântico Norte ainda são alguns dos grandes problemas científicos nos estudos medievais. Uma nova teoria – que, sem querer competir com a perspectiva geoclimática, tenta introduzir novos olhares na questão e apontar novos caminhos interpretativos, foi publicada no artigo From Vínland to Jerusalem in the Beatus Galaxy: the impact of maps on the european mentality in the 11th century (Current Swedish Archaeology 21, 2013). Escrita pelo arqueólogo Leif Gren, a pesquisa defende que uma mudança paradigmática na cosmologia europeia colaborou para o abandono da colonização/navegação nórdica para o Oeste.

Gren foi influenciado pelos novos estudos de cosmologia nórdica pré-cristã, que desde os anos 1990 vem incrementando tanto as investigações sobre mitologia, religiosidade quanto de cultura material e arqueologia. Baseado em autores como Anders Andrén, Margaret Clunie Ross e Catharina Raudvere, Gren defende que os antigos nórdicos possuíam uma concepção espacial/visão de mundo essencialmente horizontal (assim como os romanos). Mesmo exploradores já cristianizados (como Leif Eriksson) ainda eram inseridos neste paradigma – que pode ser sintetizado como sendo baseado em uma rede de localidades e aglomerações tanto para objetos distantes quanto próximos e principalmente, apresentando uma noção de periferia aberta. Este último ponto é atestado pelo autor em análises de explorações nas sagas islandesas – onde este paradigma é muito presente.

Após o século XI, penetra na Escandinávia uma nova concepção cosmológica e cartográfica, baseada na noção de mundo verticalizada, especialmente nos mapas T-O. A visão vertical é fundamentada em áreas e sua periferia é fechada – assim, a concepção de Vinland/ilhas atlânticas/continentes incógnitos é praticamente impossível para a nova mentalidade espacial e cartográfica, que entra em conflito também com a tradição oral (essencialmente horizontalizada). Para Gren, o novo paradigma já estaria presente nos escritos de Snorri e Adão de Bremen.

O estudo de Leif Gren muito mais do que apresentar uma resposta satisfatória para o abandono da colonização atlântica, apresenta um olhar inovador da relação cultural entre Escandinávia e mundo europeu cristão, inserido no novo impulso que a cosmologia vem tendo nos estudos nórdicos e em certa medida no medievalismo em geral, mas também em abordagens que tentam retirar da Scandia seu caráter tradicionalmente periférico (como na coletânea Scandinavia and Europe 800-1350: contact, conflict and co-existence, 2004).
 
Por se tratar de um artigo, algumas questões mais detalhadas ficaram de fora. Por exemplo, nem todos os pesquisadores (incluindo minha pessoa) são unânimes em caracterizar o modelo cosmológico nórdico pré-cristão como sendo somente horizontalizado – ao menos na mitologia, aqui seguindo os passos de Clunie Ross. Pensando como Eldar Heide, Andreas Nordberg e principalmente Jonas Wellendorf, acreditamos em uma cosmologia nórdica horizontal e vertical interdependentes e consecutivas ou ainda, de modo separado, dependendo da fonte. Como o mito e a religiosidade, a cosmologia pagã é muito dinâmica e variável. Mas concordamos totalmente com o autor, ao apresentar uma visão predominantemente horizontal para o referencial social: em termos de exploração, navegação e cotidiano o homem nórdico era semelhante ao homem da Antiguidade Tardia.


Talvez o conceito presente no artigo de Leif Gren que possa expressar todas as questões bibliográficas que apresentamos até aqui é a questão das conexões. Os medievalistas muitas vezes ficam presos em um recorte e temporalidade fechada, buscando o rigor ao extremo de suas fontes, mas esquecendo-se das múltiplas redes culturais que as sociedades criam com o tempo. Neste sentido, a Escandinávia é exemplar e oferece muitas possibilidades futuras de investigações.