O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

domingo, 28 de maio de 2017

Como estudar a Mitologia Nórdica no Brasil: dicas, fontes e bibliografia




COMO ESTUDAR A MITOLOGIA NÓRDICA NO BRASIL: DICAS, FONTES E BIBLIOGRAFIA

Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)

Com o sucesso de muitos filmes, romances, quadrinhos e música, a mitologia nórdica vem sendo constantemente foco de interesse no mundo moderno. Séries de tv como Vikings, filmes como Thor e a recente tradução do livro Mitologia Nórdica de Neil Gaiman reforçam ainda mais esse interesse popular. Mas afinal, como conhecer mais a fundo esse rico universo mítico? Quais os melhores livros e qual caminho tomar para o seu aprofundamento?




1. Primeiro passo: a leitura de manuais
A leitura direta das fontes primárias da Mitologia Nórdica não é uma tarefa fácil, então o primeiro passo que recomendo é a leitura de manuais introdutórios que possam fornecer uma visão sistêmica e geral do panteão, das divindades, das principais fontes, das narrativas. Em língua portuguesa já foram publicados duas obras da famosa mitóloga britânica Hilda Davidson que conseguem dar conta deste panorama introdutório de forma muito competente: Deuses e mitos do norte da Europa (Madras, 2004) e Escandinávia (Lisboa: Verbo, 1987), são de fácil leitura e fornecem os principais elementos analíticos para o interessado. Podem ser adquiridos em sebos e bibliotecas.


Eu não recomendo a leitura de qualquer coisa da escritora Mirella Faur. Além de suas obras não serem acadêmicas (são livros escritos de um ponto de vista místico e esotérico), contém muitos erros históricos, anacronismos, fantasias e visões preconceituosas. Para um conhecimento mais aprofundado destes equívocos, leia a seguinte resenha que publiquei em 2008: Runas e magia.
Para quem domina a leitura do espanhol, outra dica excelente é o maravilhoso livro de Enrique Bernardez (Los mitos germânicos), que recentemente recebeu uma nova edição. Ele é bem atualizado e descreve em detalhes todos os aspectos das diversas narrativas, suas versões e múltiplas características. Para os leitores de inglês, nenhum manual introdutório é mais recomendado que Myths of the pagan North, de Christopher Abram.


Não posso deixar de mencionar o Dicionário de Mitologia Nórdica (Hedra, 2015), a maior e melhor publicação sobre o tema em língua portuguesa, recomendado não somente para iniciantes como também para pesquisadores mais avançados. Ele possui referências sobre localidades, deuses, autores, fontes, símbolos, narrativas, etc. Para quem está no começo das pesquisas, sugiro primeiro ler os verbetes Mitologia Nórdica, Edda Poética, Edda em Prosa, Antropogonia, Cosmogonia, Cosmologia, Ragnarok, Snorri Sturluson, para em seguida ler os principais deuses: Odin, Thor, Freyja, Loki, Balder e depois seguir as remissões indicadas nestes verbetes.

2. As fontes
Aqui chegamos num ponto muito delicado. Não existem traduções acadêmicas das principais fontes da mitologia nórdica do nórdico antigo para o português, as duas Eddas. Se você é uma pessoa apenas interessada em conhecer os mitos e não necessariamente estudar eles de um ponto de vista acadêmico, então eu recomendo primeiro a leitura da Edda de Snorri (ou Edda Menor). Como ela foi escrita em prosa e unificada em uma visão linear e sistematizadora (e do ponto de vista de um cristão, por certo), facilita muito ao leitor moderno a sua compreensão. Na falta de uma tradução acadêmica no Brasil, eu recomendo a leitura da versão de Artur Avelar, disponível pela Amazon. Ela foi realizada com base em traduções ao inglês e é bem mais séria e organizada que a proposta por Marcelo Lima em 1997. Mas se você é graduando ou pesquisador acadêmico, não tem jeito, vai ter que apelar para uma tradução direta do nórdico antigo para uma língua moderna, seja ao espanhol – recomendo Edda Menor (Alianza, 2000, tradução de Luis Lerate), em inglês – The Prose Edda (Penguin, 2005, tradução de Jesse Byock); ao francês - L´Edda (Gallimard, 1991, tradução de François Xavier-Dillmann).

  


Com a Edda Poética (ou Maior) já temos alguns poemas éddicos traduzidos diretamente do nórdico antigo. Um deles, o Grímnismálestá disponível pela revista Roda da Fortuna. Outro, o Thrysmskvida, está disponível no Dicionário de Mitologia Nórdica (p. 510), bem como a Canção das lanças (p. 91). Mas se você quer a Edda Maior de maneira mais tradicional (com as edições dos poemas heroicos e mitológicos), terá que apelar novamente para as traduções estrangeiras: na tradução ao espanhol de Luis Lerate (Edda Mayor, alianza, 2016); ao inglês uma das mais acessíveis é a versão de Carolyne Larrington (The Poetic Edda, Oxford), e ao francês – L´Edda Poétique, traduzida por Régis Boyer (Fayard, 1992).

  


Outras importantes fontes primárias são os poemas éddicos incluídos nas sagas islandesas (denominados de Eddica Minora) e alguns poemas escáldicos com conteúdos míticos. Parte deste legado foi traduzido ao espanhol por Luis Lerate e encontra-se no livro Poesía antiguo-nordica: antologia siglos X-XII (Alianza Editorial, 1993).

 


Também as sagas lendárias contém material mitológico, especialmente as sagas lendárias. A mais famosa delas, a Saga dos Volsungos, recebeu uma bela edição da editora Hedra (2009), realizada pelo pesquisador Théo de Borba Moosburger. Sobre a questão do ciclo nibelungiano, do qual a Volsunga faz parte, existe um excelente documentário franco-alemão que está disponível no youtube (El cantar de los Nibelungos, dublado em espanhol):



Aliás, existem poucos materiais audiovisuais de credibilidade sobre mitologia nórdica. Outra dica envolvendo documentários é uma razoável produção norte-americana, Thor (série: Confronto dos deuses). Descontando algumas mancadas, como a maquiagem e figurino dos deuses nórdicos (horrível por sinal) e um ou outro erro, o documentário é recomendável, especialmente pela inclusão de diversas análises de acadêmicos.



Um excelente recurso avançado para o conhecimento geral das fontes da mitologia nórdica está disponível no projeto PCRN: Sources da Universidade de Abberden (manuscritos, narrativas, cultura material, toponímia, inscrições rúnicas, etc).
Outros materiais de referência obrigatórios para estudantes de qualquer nível são os capítulos Mythology and mythography, John Lindow; Eddic Poetry, Joseph Harris, incluídos no livro Old Norse-Icelandic Literature (Toronto Press, 2005) e Eddic Poetry, Terry Gunnell (da obra Old Norse-Icelandic Literature and Culture, Blackwell, 2007). Ambos fornecem uma visão historiográfica de cada poema éddico, bem como estudos sobre suas datações, interpretações, contexto codicológico e relação com a tradição oral e literária do medievo.
Para um vislumbre mais avançados das fontes primárias, ver o ensaio: Uma introdução às fontes da Mitologia Nórdica.

3. Obras analíticas avançadas
Não se pode desprezar a leituras dos clássicos, e neste sentido o conhecimento da obra de Georges Dumézil é primordial. Ele possui uma obra traduzida, Do mito ao romance (Martins Fontes, 1982), do qual podemos perceber sua vasta erudição e conhecimento das fontes escandinavas, apesar de sua perspectiva teórica ter ficado muito datada. Também em espanhol existem boas traduções de outros livros de sua autoria: Los dioses de los germanos (siglo xxi, 1990) e El destino del gerrero (siglo xxi, 2003).
Meus três livros autorais contém estudos de caso da mitologia nórdica (publicados entre 2009 e 2016) e são indicados para quem já tem alguma base na área e podem fornecer parâmetros para novas pesquisas: Deuses, monstros e heróis (UNB, 2009); Na trilha dos vikings (UFPB, 2015) e Fé Nórdica (UFPB, 2015). 

  


Também os artigos dos membros do NEVE podem auxiliar muito neste sentido (clique aqui).
Particularmente, destaco uma importante contribuição reflexiva sobre as Eddas e seus limites como fonte da mitologia nórdica, escrita pelo membro lusitano do NEVE, o historiador Hélio Pires: As Eddas não dizem tudo (Férula 10, 2015).
Mas não há como fugir das obras em inglês. Aliás, na medida em que for avançando nas pesquisas, o estudante perceberá que o domínio instrumental da língua inglesa é uma necessidade imprescindível para qualquer campo da Escandinavística e necessária para toda pesquisa em nível de pós-graduação. Com o tempo, o pesquisador também deve consultar o idioma original das fontes, com o intuito de perceber outros elementos em seu contexto para uma análise mais sofisticada.
Na língua inglesa existem dezenas de clássicos e obras primorosas para o estudo da mitologia nórdica e é quase impossível de realizar uma lista completa neste momento. Eu vou citar apenas algumas, de que tenho mais afinidade e que possuem perspectivas passíveis de aplicação em novas pesquisas. A coletânea The Poetic Edda: essays on Old Norse Mythology (Routledge, 2002) é uma verdadeira obra prima da academia, reunindo pesos pesados dos estudos mitológicos e com alguns clássicos, como o estudo da pesca da serpente do mundo (Preben Sørensen), o hidromel de Gunnlod por Katrina Attwood; a maldição em Skírnismál por Joseph Harris, entre muitos outros. Da já citada Hilda Davidson, aconselho um de seus melhores estudos: Myths and symbols in Pagan Europe (Syracuse Press, 1988), no qual realiza uma comparação vigorosa entre os mitos celtas e nórdicos. Para finalizar, um dos mais emblemáticos e mesmo paradigmáticos estudos contemporâneos, The origins of drama in Scandinavia, de Terry Gunnell (colaborador estrangeiro do NEVE). Nesta obra, o autor recupera a discussão das origens orais dos mitos e suas implicações folclóricas, além do teor de dramatização e performance das narrativas.

4. A escolha de temas para pesquisa
Não é fácil escolher um bom tema para pesquisa, mas isso não significa que é impossível. Para o iniciante nos estudos nórdicos, pode parecer muito complicado eleger um assunto que seja original, uma abordagem inédita ou uma problemática que poucos tenham analisado, mas com a experiência, as leituras e o avanço nas pesquisas, o estudante vai perceber que existem ainda muitas possibilidades de investigação.
Uma sugestão é na medida em que for lendo as Eddas, escolhendo algum método de análise e lendo as bibliografias secundárias, entre em contato com os escandinavistas do NEVE e troque informações ou solicite auxílio nesta ocasião. O intercâmbio em muitos casos pode auxiliar muito a escolha de temas e abordagens, especialmente dentro da academia brasileira e suas diversas possibilidades, especialmente na História, Letras e Ciências das Religiões. O melhor é se cadastrar no grupo do NEVE no facebook e compartilhar suas dúvidas, ansiedades e opiniões. Aguardamos o seu contato! Também grande parte dos livros indicados neste ensaio estão disponíveis em formato pdf na seção arquivos do grupo NEVE no facebook, aproveite e se cadastre.



5. Os métodos de pesquisa
Quase tão importante quanto escolher uma fonte, um recorte espaço temporal e uma perspectiva teórica, é definir um método de pesquisa. Geralmente os estudantes brasileiros de mitologia acabam convergindo para algum autor da fenomenologia, visto que é a vertente mais traduzida até hoje em língua portuguesa. Mas existem outras opções, mais modernas e coerentes.
Para começar, é necessário ler um pouco sobre teoria do mito. O manual Introdução à mitologia (Paulus, 2014), de José de Almeida Júnior, é um bom começo. O seu problema é que aborda exclusivamente autores fenomenológicos (Eliade, Jung, Campbell, etc). Uma leitura ainda melhor é o livro de Victor Jabouille: Iniciação à Ciência dos Mitos (Lisboa: Inquérito, 1986), possível de ser encontrado em sebos virtuais ou em grandes bibliotecas. Nesta obra, o autor trata das diversas teorias dos mitos, do funcionalismo até o estruturalismo e a história italiana das religiões. Uma leitura ainda mais avançada, mas nem por isso menos acessível aos graduandos, é o livro: A invenção da mitologia, de Marcel Detienne (Edunb, 1992), que pertence à perspectiva da Escola de Paris, preponderando a perspectiva histórico social dos mitos. Sempre é aconselhável ao pesquisador tem uma noção historiográfica do seu campo de atuação e neste sentido o capítulo The interpreters (The lost beliefs of Northern Europe, 2001) de Hilda Davidson é exemplar, conferindo uma visão diacrônica das diversas interpretações acadêmicas sobre os mitos escandinavos.
Com relação à metodologia de análise, o estudante pode utilizar a proposta do historiador Ciro Flamarion Cardoso em seu livro Narrativa, sentido, História (Papirus, 2005), baseada na análise histórico-literária do formalismo russo. Além de fornecer o modelo teórico, Cardoso também exemplifica na prática, analisando detalhadamente uma narrativa nórdica medieval, o conto de Helgi Thorisson (pp. 67-83). Seguindo essa perspectiva, em 2006 eu realizei uma proposta de análise do poema éddico Thrymskvida (Mythica Scandia, pp. 54-60).

  


Outra possibilidade muito interessante de se analisar os mitos nórdicos é através do imaginário social de perspectiva francesa. Recomendo a leitura dos dois capítulos da seção Mito e Método (Os três dedos de Adão: ensaios de mitologia medieval, Edusp, 2010) do medievalista Hilário Franco Júnior. Grande parte dos meus estudos dos anos 2000 foi nesta perspectiva analítica.
Existem diversas outras perspectivas metodológicas, mas finalizamos apenas com mais uma, a iconográfica e da cultura material dos mitos nórdicos. O pesquisador Signe Horn Fuglesang possui um estudo paradigmático neste referencial: Iconographic Traditions and Models in Scandinavian Imagery (International Saga Conference, 2006). Também o livro Iron Age myth and materiality: an Archaeology of Scandinavia AD 400-100, de Lotte Hedeager (Routledge, 2011) é um excelente exemplo de análise material dos mitos. Uma metodologia e ao mesmo tempo perspectiva teórica que vem sendo muito aplicada pelos arqueólogos dinamarqueses é a da cosmologia. Uma leitura instrumental desta vertente analítica é o estudo The part of the whole: cosmology as anempirical and analytical concept, de Catharina Raudvere (Temenos 45(1), 2009).
A última dica: mantenha acima de tudo a perseverança. A Escandinavística no Brasil ainda é um campo não consolidado e muitos professores universitários ainda percebem com desconfiança qualquer interesse no estudo dos mitos nórdicos. Pesquise o que goste, mas também seja ponderado e não abandone suas metas. No fim, o resultado pode ser alcançado.




6. Pós-graduação:

Não existem cursos de pós graduação com foco ou ênfase objetiva nos estudos de mitologia nórdica, ao menos no Brasil. A possibilidade é ingressar em algum mestrado ou doutorado acadêmico em áreas genéricas como História ou Letras e ter o projeto de pesquisa voltado para o estudo de alguma narrativa mítica da área escandinava. A maior dificuldade é encontrar algum professor cadastrado em programa que tenha interesse em orientar esse tema, visto que grande parte dos medievalistas preferem outros interesses. Mas a melhor opção atualmente em nosso país são os programas de pós graduação em ciência da religião, com cursos em São Paulo (PUC-SP), Minas Gerais (UFJF) e várias cidades e capitais do país. O curso com mais pesquisas defendidas e em andamento sobre mitologia nórdica é o PPGCR da Universidade Federal da Paraiba.
Referências:








quarta-feira, 24 de maio de 2017

NEVE publica estudo em revista espanhola

 
O professor Johnni Langer (UFPB/NEVE) acaba de publicar o estudo La religión nórdica en la Era Vikinga na revista espanhola Arqueología e Historia n, 13, dossiê: El mundo Vikingo. No artigo, o professor realiza um balanço atualizado das mais recentes investigações arqueológicas e históricas sobre o tema da religião nórdica pré-cristã.
 
Na revista também participaram outros escandinavistas, como Leszek Gardela (Univ. Rzeszów, Mujeres poderosas en la Era Vikinga); Frode Iversen (Universitetet i Oslo, La cuna de los vikingos); Kirsten Wolf (University of Wisconsin, La vida cotidiana en la granja); Sarah Croix (Aarhus University, Ciudades y comercio); John Ljungkvist (Uppsala Universitet, Enterramientos vikingos); V. Bischoff, T. Damgård-Sørensen, S. Nielsen, M. Ravn y A. C. Sørensen (Vikingeskibsmuseet Roskilde, Surcando las olas. Arquitectura naval y navegación); Laila Kitzler Åhfeldt (Swedish National Heritage Board, Estelas historiadas y piedras rúnicas de la Era Vikinga en Escandinavia).
 
A revista Arqueología e Historia pode ser adquirida em algumas livrarias e bancas de jornais de São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires e México e também pode ser comprada pela internet, clique aqui.
 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Sagas e História: entrevista com Mariano González Campo

  

 
O NEVE realizou uma entrevista com seu mais novo colaborador internacional, o pesquisador Mariano González Campo, um dos mais reconhecidos escandinavistas de língua espanhola, doutor pela Universidade de Valladolid com a tese Literatura y ficción en la Islandia tardomedieval (2016), tradutor de diversas sagas islandesas, além de autor de estudos acadêmicos sobre a Escandinávia Medieval. Na entrevista, Mariano González Campo discute a relação entre História, estética, ficção e memória  nas sagas islandesas, além de questões sobre recepção dos estudos nórdicos na Espanha.
 
 
HISTÓRIA E SAGAS ISLANDESAS
ENTREVISTA COM MARIANO GONZÁLEZ CAMPO
 
1) NEVE: As traduções das sagas para a língua espanhola possuem uma boa receptividade entre os acadêmicos que se dedicam a estudar a literatura nórdica ou alguns destes pesquisadores são defensores de que esse corpus só pode ser estudado em sua língua original?


Depende del tipo de especialista al que nos refiramos. Por supuesto, para un filólogo resulta imprescindible enfrentarse al corpus literario norreno a partir de la lengua original. Sin embargo, no hemos de olvidar que las traducciones a otras lenguas modernas son muy útiles para historiadores, arqueólogos, antropólogos y otros especialistas que, en rigor, no precisan conocimientos de norreno para sus investigaciones. En cualquier caso, la consulta de los textos originales es, antes o después, imprescindible para poder establecer matices de diversa índole. Por eso, siempre que puedo, procuro facilitar esa consulta publicando ediciones bilingües de mis traducciones. Así lo he hecho con la Blómstrvalla saga, la Óláfs saga kyrra, la Guta saga, la antología de Baladas épicas feroesas y algunos textos más.

Notícia da descoberta arqueológica de certos acontecimentos relatados na Sverris saga, Science Nordic, 2016.


2) NEVE: Desde o século XIX as sagas islandesas foram utilizadas pelos historiadores e arqueólogos como fontes para o estudo do passado nórdico na Era Viking. Diversas críticas foram estabelecidas para esse referencial nas últimas décadas, apesar de alguns pesquisadores em línguas neolatinas (como Patricia Pires Boulhosa, Sagas islandesas como fonte da História da Escandinávia Medieval, Signum 7, 2005) defenderem o referencial de que são fontes históricas do período em que foram escritas, mas também são testemunhos de períodos anteriores. Como você percebe essa questão da relação entre História e ficção nas sagas islandesas.

Me parece un asunto muy interesante. Hay que tener en cuenta que los géneros de sagas de tipo más “realista” o histórico (Íslendingasögur, Samtíðarsögur, Byskupasögur, etc) ofrecen información histórica y antropológica muy útil para el estudio de la Islandia medieval. Por supuesto, a veces es difícil distinguir entre la realidad y la mera ficción, pero la propia mezcla entre ficción y realidad también proporciona información muy interesante sobre los mecanismos de la mentalidad islandesa medieval y, por consiguiente, es interesante para el estudio de la historia de las ideas. Yo siempre he sostenido que las sagas islandesas funcionan perfectamente como documentos etnográficos de una época, un lugar y una mentalidad si se las sabe tratar de un modo adecuado.



3) NEVE: Na “Saga de Hervör”, publicada por você em  2003, foi incluída a tradução do “Cantar de Hervör” que trata da representação medieval da relação entre os vivos e os mortos na sociedade nórdica antiga. Essa tradução procurou manter a mesma métrica do original ou no caso, houve algum tipo de adaptação? A tradução ficou muito distante do sentido original ou não?

Es prácticamente imposible mantener la misma métrica de un texto poético norreno en una traducción realizada en una lengua moderna...y más difícil aún si se trata de una lengua neolatina, es decir, no  germánica. Normalmente, lo mejor es procurar conservar y respetar el sentido original del texto en vez de desvirtuarlo al intentar reproducir inútilmente su aspecto formal. Yo traduzco los poemas de la forma más literal posible procurando siempre dotarlos de cierto regusto poético en español, pero casi nunca intento reproducir las aliteraciones, etc... porque ello significaría tener que reformular y modificar el contenido del texto original. En poesía, lo mejor es realizar una edición bilingüe en la que se pueda tener acceso simultáneo al aspecto formal y al contenido.

4) NEVE: Professor, em sua tese sobre a Blómstrvalla saga, a questão do fantástico é bastante abordada, nesse sentido, podemos pensar que os usos de “ficção latente” – elementos que são considerados absurdamente ficcional, principalmente, por leitores mais contemporâneos – podem vir tanto como um traço da memória e da tradição oral, mas também como um instrumento de estética cristã para uma aproximação com os leitores?

Es un error considerar la ficción literaria como algo totalmente independiente del mundo “real”. Como acertadamente dice el profesor alemán Karlheinz Stierle, “la autorreflexividad de la ficción no implica su autonomía en relación con el mundo real. El mundo de la ficción y el mundo real están relacionados de manera que el uno es horizonte del otro: el mundo aparece como horizonte de la ficción, y la ficción como horizonte del mundo. Sólo al comprender esta doble perspectiva queda perfilado el escenario de recepción de los textos de ficción”. Ello implica que, con frecuencia, la ficción es un receptor muy válido de tradiciones orales arcaicas que de otro modo se habrían perdido para siempre y, por supuesto, esas tradiciones recogen a su vez referencias a acontecimientos históricos primordiales, aunque hayan quedado bastante desvirtuados o distorsionados a lo largo del tiempo. Ni siquiera una obra de manifiesta ficción como The Lord of the Rings puede considerarse “nada más” que ficción: la propia lengua en la que esa obra está escrita (el inglés) es real y por tanto remite a toda una realidad cultural que se refleja a menudo en esa obra de ficción. Respecto al cristianismo en los  textos de ficción, casi puede decirse que sin el cristianismo y la cultura escrita que introdujo en el Norte hoy en día no tendríamos posiblemente ningún tipo de literatura norrena, ni histórica ni de ficción.
 
 
A mais recente saga islandesa traduzida por Mariano Campo, Saga de Bósi, Miraguano Ediciones, Madrid, 2014.
 
5) NEVE: Ver o autor cristão das riddarasögur por muitas vezes é latente, mas quais medidas metodológicas ou até em que pontos se consegue separar ou analisar seu relato como parte de uma composição voltada para o cristão, em que reside a difícil fronteira entre “fabricação autoral” e relatos memorialísticos?

Esa frontera es muy difícil de establecer, y tal vez incluso es innecesario o contraproducente hacerlo. Hasta los relatos “memorialísticos” como, por ejemplo, las baladas tradicionales tienen un autor, que es aquel que cada vez los recita y, consciente o inconscientemente, los recrea o “refabrica” dándoles su propia impronta personal por mucho que tales relatos se inserten a su vez en una supuesta “memoria colectiva” impersonal y pretendidamente perenne. Yo creo que la cuestión no es separar una cosa de otra, sino estudiar y comprender cómo interactúan y se influyen mutuamente en un proceso dinámico.
 
Ilustração da Karlamagnús sögu, uma das riddararsögur.
 

6) NEVE: Em sua tese, capítulo seis, você trata dos aspectos históricos da Blómstrvalla saga, onde podemos ver a preocupação com o contexto político que lhe levou a uma investigação acerca das ligações entre as cortes de Afonso X e Hákon Hákonarson, firmadas na viagem de Kristín que saiu da Noruega para casar-se com Felipe de Castela. Ainda que a sua preocupação principal se enverede por questões no campo das traduções, gostaria de saber acerca das possibilidades investigativas, principalmente históricas, relacionadas às riddararsögur e que tipo de discussões teórico-metodológicas vem sido publicadas para possibilitar o trabalho com esse tipo de fonte.


La relación entre las riddarasögur y la historia es muy conflictiva. No hay que olvidar que este género literario es el más “ficticio” de todos los existentes, incluso más que las fornaldarsögur, algunas de las cuales al menos se remiten a su modo a acontecimientos y personajes más o menos históricos. Por tanto, el nombre de lygisögur (historias de mentiras), con el que también se las conoce, es bastante acertado siempre y cuando no se haga una interpretación despectiva del mismo. En mi tesis sostengo la hipótesis de que la Blómstrvalla saga pudo haber correspondido originalmente a un relato recitado en los esponsales de la princesa Kristín de Noruega con el infante Don Felipe de Castilla, tal como se indica en el prólogo de esa saga. Sin embargo, pese a todos los indicios que señalo en ese sentido, tampoco hay que excluir lo más probable: que ese prólogo no sea más que una mera ficción con pretensiones de legitimidad histórica, al modo de lo que también ocurre en muchos libros de caballerías castellanos. Por tanto, el interés principal de las riddarasögur no está en establecer unos pretendidos fundamentos históricos para sus relatos (cosa con frecuencia prácticamente imposible), sino en estudiar la interesantísima red de conexiones y préstamos literarios existentes entre diversos países europeos a propósito de un género literario (el de caballerías) bastante popular en torno a los siglos XVI y XVII sobre todo.
 
Mariano Campo (o segundo da esquerda para a direita) participa de mesa redonda sobre a situação dos estudos nórdicos na Espanha, Universidad de Murcia, 2013.
 

7) NEVE: Fica claro na introdução de sua tese, a escassez de trabalhos acadêmicos, até aquele momento, em pesquisa a nível de pós-graduação, em estudos escandinavos medievais: David Cintado Fernández escreveu sobre mito e folclore nórdico, Teodoro Manrique Antón pesquisou a magia na saga de Gísli Súrsson. Em compensação o número de traduções de sagas e narrativas da literatura nórdica medieval para o espanhol é elevado. Como você entende essa desigualdade entre esses trabalhos de natureza tão diferentes? Há uma carência do público não acadêmico sobre informações especializadas? Como o conhecimento acadêmico é absorvido pela população que possa se interessar pela pesquisa acadêmica?

El principal problema que tenemos en España es que la Academia no se interesa por los estudios nórdicos pese al esfuerzo de algunos profesores de manera aislada. La razón más socorrida es la de “no hay dinero para apoyar esos estudios”, pero ello no deja de ser una mera excusa, especialmente cuando ves que sí hay dinero para otras cosas bastante absurdas o sin apenas demanda social ni cultural. Sé que hay muchos españoles que desearían estudiar lenguas y literaturas nórdicas en España, pero lamentablemente es imposible hacerlo a fecha de hoy y tienen que marcharse a estudiar a Escandinavia, lo cual suele ser bastante complicado sin recursos económicos sólidos (becas especialmente). Es cierto que, hoy en día, hay pocos especialistas en estudios nórdicos en España, pero esos pocos especialistas son por lo general muy prolíficos y traducen mucho. O sea, que hay bastantes traducciones de muy pocos traductores. Eso puede explicar tal vez la paradoja a la que aludes. Además, hay que tener en cuenta que actualmente lo vikingo está de moda gracias a series de televisión como Vikings o a estilos musicales como el Viking Metal, etc... Eso explica que haya en la actualidad una considerable demanda de traducciones de literatura nórdica medieval entre los lectores españoles y esa demanda propicia, a su vez, que haya un mayor número de editoriales interesadas en publicar esas traducciones, algo casi impensable hace unos años atrás. Como ves, en el caso de la literatura norrena, lo académico y la cultura popular se refuerzan mutuamente, con sus luces y sus sombras.


 

quarta-feira, 17 de maio de 2017

NEVE publica vídeo sobre a série Vikings

O canal do NEVE no Youtube acaba de publicar o mais novo vídeo do grupo, desta vez analisando a série Vikings nos aspectos da cultura material. Futuramente outros vídeos serão produzidos sobre a série, analisando outros aspectos, como a historicidade dos personagens e os eventos inseridos na trama.

 
Para acessar ao vídeo, clique aqui.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Haglaz e a divulgação da Era Viking

 


Dando sequência à nossa sistematização sobre o recriacionismo brasileiro, hoje trazemos um dos mais empolgantes grupos dedicados ao mundo nórdico no Estado do Rio de Janeiro: Haglaz. Eles nos contam um pouco de sua trajetória e experiência, fonte de inspiração para os muitos grupos que recentemente vem se formando em nosso país.
 
 

Membros efetivos:
- Alberto Dória, 37 anos, Aeronauta, Bacharel em Ciências Aeronáuticas
- Fabiane Fontes, Comandante de embarcações, Técnica em Navegação
- Bernardo Lepore, 33 anos, Advogado, Bacharel em Direito
 
- Gabriel Domingues, 33 anos, Eletricista, Técnico
- Giovane Tomaz, 26 anos, Engenheiro de Software
- Marcelo Casariego, 30 anos, Fotógrafo/Marceneiro
- Marcelo Segall, 30 anos, Biólogo, Mestre em Biologia
- Roberta Baptista, 37 anos, Analista Financeiro, Bacharel em Relações Internacionais
Útlandr (Aspirantes a membro):
- Dyego Meireles, 26 anos, Estudante de Ciências Contábeis
- Frederico Cavadas, 29 anos, Técnico de Som
- Gisele Souza, 28 anos, Professora, Bacharel e Licenciatura em História
 
 

1. Quando e como se formou o grupo e quais foram os motivos de sua criação.
Parte de nós teve um primeiro contato com recriação histórica quando em 2013 o grupo paulista Hednir fez uma apresentação na Oenach na Tailtiu, que é uma festa carioca de temática celta que já é tradicional e acaba por ser um ponto de encontro de pessoas interessadas em recriação histórica. Inicialmente o Hednir nos ofereceu apoio para começarmos o projeto aqui no Rio.
Começamos inicialmente com um ênfase em lutas e esgrima medieval, mas depois de pouco tempo fomos dando importância cada vez maior à recriação histórica, que hoje é a atividade principal do grupo.


2. De que maneira o grupo realiza suas atividades e pesquisas sobre o recriacionismo nórdico?
 
A nossa abordagem é bastante ampla. Temos interesse em vestimentas, luta, culinária, marcenaria, artesanato, poesia e outros aspectos da cultura da Escandinávia medieval. Fora os nossos trabalhos mais coletivos, os integrantes acabam tendo aptidões e interesses bastante específicos e a gente enxerga o grupo também como uma rede de apoio para a concretização dos projetos dos membros.
Atualmente os membros se encontram pessoalmente pelo menos duas vezes por mês para atividades como: grupos de estudo, treinos de luta ou oficinas para a produção de itens baseados em achados arqueológicos e descrições históricas.
Fazemos as nossas pesquisas através da leitura de livros e artigos, tanto de natureza mais acadêmica quanto material produzido por outros recriadores históricos. Temos também contato com historiadores, arqueólogos e também com outros grupos de recriação brasileiros e estrangeiros. Iniciativas como a do Museu de História da Suécia de disponibilizar online informações, fotografias e desenhos de achados arqueológicos também são muito importantes ao nos dar acesso a fontes primárias de informação.
Ao reproduzir itens, tomamos cuidado em considerar suas dimensões, material, datação e provável processo de fabricação e usar de forma crítica informações vindas de sagas, tapeçarias e iluminuras. No caso de achados históricos que só existem na forma de fragmentos, prezamos por consultar a opinião de especialistas. A busca por fidelidade histórica do que produzimos e divulgamos é um valor importante para o grupo e ao expor nosso material, procuramos ter cuidado em deixar explícito ao público eventuais adaptações que temos que fazer em algumas peças.



3. Quais as maiores dificuldades em divulgar a cultura nórdica da Era Viking no Brasil e particularmente, no Rio de Janeiro? 
Uma das dificuldades é a disparidade entre o nosso clima e o clima da Escandinávia. Alguns materiais históricos para se fazer vestimentas podem ser muito quentes para o clima local, como por exemplo lã ou peles. Acabamos por priorizar roupas de materiais mais leves, como o linho e mesmo estas podem ser quentes demais em boa parte do ano aqui no Rio de Janeiro. 
Esta questão do clima e a óbvia separação geográfica entre Brasil e a Escandinávia também dificulta o acesso a alguns materiais, o que fica bem evidente em relação a ingredientes para culinária. A distância da Escandinávia também dificulta nosso acesso a museus, acervos e outras fontes de dados primários.
Outra dificuldade é em relação a custos. Dependendo de sua escolha, o "kit" completo de um recriador pode custar milhares de reais. O metro da lã ou do linho puro podem ser bem caros, assim como itens em metal, como lanças, elmos, espadas e armaduras. A importação destes itens é especialmente complicada, tanto pelo câmbio que não nos favorece quanto pelas taxas alfandegárias. Felizmente já há no Brasil alguns ferreiros confeccionando peças baseados em achados históricos.

 

4. Como vocês percebem o futuro do recriacionismo nórdico em nosso país? 
Já há vários grupos espalhados pelo Brasil país e a atividade da recriação histórica vem se fortalecendo nos últimos anos. Queremos no futuro, a união dos grupos para desenvolver atividades e criar uma identidade nacional de recriação histórica nórdica que esteja no nível de ser reconhecida mundialmente.
Esperamos que em um futuro nem tão distante, já ocorra por aqui festivais grandes e voltados a recriadores, como acontece na Europa.

 
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