O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

sexta-feira, 30 de março de 2018

Um vulcão cristianizou a Islândia?


 
 

UM VULCÃO CRISTIANIZOU A ISLÂNDIA?


                                Prof. Dr. Johnni Langer (UFPB/NEVE)

 

Recentemente alguns sites brasileiros vem divulgando a publicação de um estudo na revista Climatic Changes (The Eldgjá eruption) (Mega-erupção vulcânica na Islândia foi tão brutal que "destruiu" os deuses nórdicosErupção apocalíptica convenceu os vikings a adotarem o cristianismo), nos levando a escrever alguns breves comentários sobre o tema.
 
O estudo considera uma série de vestígios geológicos que atestam a violenta erupção de um vulcão (Eldgjá) na Islândia do ano 940 d.C., causando muitos impactos climáticos que afetaram profundamente a sociedade islandesa desta época e em períodos posteriores. Mas não somente isso. Os autores alegam que o fim dos deuses narrado no poema Vǫluspá foi influenciado diretamente por este fenômeno, estimulando a cristianização da região no ano mil (Oppenhelmer 2018).
 
A pesquisa é extremamente interessante e certamente proporcionará ainda muitos debates e novas perspectivas. Ao nosso ver, ela também é problemática por vários pontos: 1. Não contextualiza o foco de sua pesquisa com relação a outros estudos anteriores sobre vulcanismo e mitos nórdicos; 2. Não aprofunda maiores análise sobre Mitologia Nórdica e especialmente, não contextualiza o poema éddico Vǫluspá, o tratando como um simples documento da cristianização islandesa – o que ele de fato não é, pois trata-se de um poema com forte conteúdo pagão e certos elementos cristãos hibridizados, o que é bem diferente; 3. Não há nenhuma ligação objetiva entre cristianização e vulcanismo nas crônicas e  sagas islandesas do medievo.
 

Fotografia da fissura vulcânica de Eldgjá, Islândia.

 
 
Os estudos sobre a possível relação entre fenômenos da natureza (sejam eles catastróficos ou simplesmente fenômenos sazonais e constantes da paisagem física) e os antigos mitos não são novidade na academia. Desde o século XIX tivemos inúmeros teóricos desta vertente, mas eles logo foram muito criticados devido a seu excessivo determinismo naturalista e físico na interpretação da mitologia. Foi somente a partir dos anos 1980 que uma série de pesquisas em diversas disciplinas (como Astronomia, Geologia, Geografia, Arqueologia, Física, etc) originaram novas interpretações para as narrativas míticas antigas e medievais, incluindo a Bíblia – as denominadas Geomitologia, Astronomia de impacto, Arqueología catastrófica, entre outras.
 
Deixando de lado aqui os inúmeros estudos sobre a antiga observação do céu diurno e noturno (seja com o movimento do Sol, Lua, planetas e estrelas) e a interferência da paisagem física (o simbolismo de certos mitos como reflexos da espacialidade de uma região), temos as interpretações de que certos mitos foram causados por acontecimentos não sazonais e de natureza extremamente catastrófica ou de forte impacto psicológico e social. Aqui dois fenômenos são muito semelhantes por seus efeitos no clima: impactos de asteórides/cometas e erupções vulcânicas (os eclipses totais do Sol também são impressionantes do ponto de vista sócio-histórico, mas não geram efeitos físicos diretos em nosso planeta). São estes dois fenômenos que estão recebendo a maior quantidade de pesquisas nos últimos tempos, congregando especialistas de diversas áreas.
 
No caso dos vulcões, vários acadêmicos já consolidaram a possibilidade de que um dos mitos mais antigos e conhecidos do Ocidente, a Atlântida, tenha sido elaborado como consequência da erupção do vulcão Santorini próximo a Creta, causando maremotos, mudanças climáticas e o grande responsável indireto pelo fim da civilização minóica. Algumas pesquisa vem apontando que outras narrativas míticas da Idade do Bronze podem ter sido influenciadas por este grande cataclisma (Buckland 1997).
 
Um dos trabalhos mais conhecidos envolvendo mitos nórdicos e vulcanismo foi a tese de doutorado de Mathias Nordvig (2014), envolvendo as narrativas de criação do mundo e do hidromel da poesia. A principal perspectiva de Nordvig é a da existência de uma memória narrativa eco-mítica, considerando a paisagem essencialmente um elemento cultural e não natural. Com a repercussão da tese, Nordvig ampliou suas perspectivas para o relato do Ragnarok, que segundo ele poderia conter indícios de crateras, erupções, etc. A idéia também recebeu críticas, como a de Jens Peter Schjødt, segundo o qual os vulcões deveriam ser mencionados objetivamente nos mitos, a exemplo dos terremotos, e não apenas evocados simbolicamente ou de forma figurada (Abildlund 2014).
 

Estela gotlandesa de Hablingo (séc. V-V d.C.), com uma imagem de espiral solar em movimento.

 
Mas a pesquisa mais consistente efetivamente entre Ragnarok e vulcanismo foi a empreendida por Bro Gräslund e Neil Price em 2012. Partindo do estudo de fenômenos metereológicos extremos do anos 535-536 d.C. (atribuidos pela maioria dos especialistas a atividade vulcânica no Ocidente), os dois pesquisadores concluem que a imagem do Fimbulwinter (grande inverno, o prelúdio do Ragnarok) teria sido criada durante o período das migrações, advinda das consequências climáticas do vulcanismo, como perda das colheitas, fome, frio, abandono das vilas, etc. Aqui os autores utilizam o referencial de que grande parte do conteúdo do poema Vǫluspá teria sido elaborado antes do período Viking e teria relação direta com estes acontecimentos (Price, 2012, p. 437). Uma das conclusões mais interessantes deste estudo é a de que as imagens de discos solares e espirais solares em movimento (conectadas ao culto do Sol) das estelas pintadas da ilha de Gotland do século V e VI d.C., desaparecem dos monumentos da ilha após o século VI e cederam lugar a imagens de heróis e deuses da Mitologia Nórdica, muito comuns no posterior período Viking. Após um período de grandes erupções vulcânicas, a visibilidade do Sol é interrompida por meses e até mesmo por anos. Os autores citam várias fontes européias deste período que mencionam o fato do Sol estar encoberto ou escurecido num período de até 18 meses. Assim, a série de eventos climáticos catastróficos não somente teria modificado e arruinado a economia rural e a população, mas também alterado as idéias religiosas desta época.
 

O vulcanismo também aparece nas pesquisas do arqueólogo Kevin Smith (Universidade de Brown). Em pesquisas na caverna islandesa de Surtshellir, originada de lava vulcânica, foram encontrados vestígios de fortificação, ossos de animais domésticos e fragmentos de objetos como cruzes, indicando atividades humanas neste local desde o século X. Uma das teorias propostas é de que o local tenha sido utilizado para cultos pagãos (o Landnámabók cita que Thorvald Hollow foi para a caverna de Surt recitar poemas que ele havia escrito sobre o gigante que morava neste local) relacionados a Surt ou cultos para apoiar Freyr, deus da fertilidade e opositor de Surt (Smith, 2005; Patel, 2017). Assim, ao contrário da pesquisa de Oppenhelmer, existem indícios da ligação entre vulcanismo e paganismo sobrevivendo até o início da cristianização e não sendo necessariamente um elemento primordial para a ideia do fim dos deuses.

 
Entrada da caverna de Surtshellir, Islândia. 


 
 
Como percebemos até aqui, uma série de fenômenos anteriores à Era Viking pode ter colaborado para a formação das imagens vulcânicas e do Ragnarok presentes no poema Vǫluspá, muito antes do vulcão Eldgjá ter explodido em 940 d.C. Além disso, em nossas próprias pesquisas, constatamos outros fenômenos que também podem ter colaborado para a popularização do Ragnarok muito antes do ano mil: eclipses totais do Sol e Lua e passagens de grandes cometas durante os século VIII, IX e início do X (visíveis na Escandinávia). Todos estes astros estiveram associados à figura do lobo, central na narrativa do Ragnarok: o Varlgod, a Era do Lobo (Langer, 2018, p. 15).
 
Equipe de explorador no interior da caverna Surtshellir, Islândia, examinando um possível local para cultos.


 
Deste modo, podemos concluir que o artigo publicado na revista Climatic Changes é muito importante, mas possui limitações. Não cita e nem contextualiza pesquisas anteriores (Price, Smith, Nordvig, Patel, Taggart) que poderiam ampliar a questão dos temas vulcânicos presentes no poema Vǫluspá. Também pesquisas mais recentes sobre os mitos nórdicos presentes nas bracteatas do período das migrações (também não citadas no referido trabalho) podem levar à conexões para um melhor entendimento sobre a formação do Ragnarok a partir do século VI. No geral, as pesquisas apontam para uma lenta construção da narrativa do Ragnarok desde o período das migrações (e não um produto acabado beirando o ano mil), que foi influenciado diretamente pela observação de fenômenos astronômicos (Langer, 2018) e pelas consequências de erupções vulcânicas tanto da Islândia quanto de outras regiões do mundo, levando a mudanças drásticas da religiosidade da ilha no fim do período das migrações (Price, 2012, 2013). Alguns ritos relacionados ao vulcanismo ainda geram dúvidas, mas pesquisadores apontam conexões entre Surt e Freyr ainda no século X, apontando relações diretas entre vulcanismo e paganismo (Smith, 2005). Novos estudos deverão aprofundar as relações entre os registros literários medievais e os vestígios geológicos e arqueológicos, nos apontando maiores conexões entre Mito Nórdico e Natureza.

Referências Bibliográficas:

 
 
BUCKLAND, Paul et al. Bronze Age myths? Volcanic activity and human response in the Mediterranean and North Atlantic regions. Antiquity 71(273), 1997, pp. 581-593.
 


 
PRICE, Neil. Archaeologies of the Ragnarök: A Sixth-Century Climate Disaster and its Geomythological Legacy. The Aarhus Old Norse Mythology Conference at Harvard: Old Norse Mythology in its Comparative Contexts. Harvard, 2013.

PRICE, Neil; Gräslund, Bo. Twilight of the gods? The dust veil event of AD 536 in critical perspective. Antiquity 86, 2012, pp. 428-443.
 
 
 
 
 


 


 
 

quarta-feira, 28 de março de 2018

Rudolf Simek no Scandia 1, 2018

 
 
RUDOLF SIMEK NO SCANDIA 1!
O mais famoso e renomado escandinavista em língua alemã, Rudolf Simek (Universidade de Bonn) participará da primeira edição da revista Scandia com um artigo sobre o papel das mulheres na religião germânica antiga e medieval. A primeira edição está prevista para ser publicada em novembro de 2018, mas ainda está aberta para novas propostas até agosto corrente. As normas completas estão no site da revista.
 
 

sábado, 24 de março de 2018

TRADUÇÃO DA VOLUSPÁ NO SCANDIA 1, 2018.


 
 
TRADUÇÃO DA VOLUSPÁ NO SCANDIA 1, 2018.
A primeira edição da revista Scandia apresentará a tradução completa do poema Vǫluspá do nórdico antigo ao português, realizada por Pablo Gomes de Miranda (PPGCR-UFPB/NEVE). Vǫluspá é o poema éddico mais famoso e importante, o primeiro do manuscrito Codex Regius, uma fonte imprescindível para o estudo da Mitologia Nórdica. A previsão de publicação desta edição é no mês de novembro, mas a revista ainda está aberta para o seu número de estréia até o dia 15 de agosto.
 
Todas as informações sobre formatação e normas da revista estão em seu site (em inglês e português).
 
 

quinta-feira, 22 de março de 2018

Ação de Living History: Birka na Era Viking



BIRKA NA ERA VIKING: AÇÃO DE LIVING HISTORY NA ESCOLA CONVIVER, PB.
 
 
Hoje, dia 22/03/2018, o NEVE realizou a sua primeira ação de “Living History” (História Viva) em uma escola de Ensino Fundamental II. A turma do sétimo ano, da Escola Conviver em João Pessoa/PB, durante a aula de História do Prof. Assis teve a oportunidade de conversar com uma comerciante de Birka durante a Era Viking, Erna e sua filha adotiva, Olga e apreciar os produtos que elas comercializam. Especiarias, azeite de oliva, vinho, sedas e agulhas de madeira e marfim, vindos diretamente de Mikligard (Bizâncio) foram alguns dos produtos que os alunos tiveram a oportunidade de ver, sentir os aromas e sabores e tirarem as suas dúvidas sobre como funcionava esse comércio tão lucrativo na Europa Medieval.
 

domingo, 18 de março de 2018

Entrevista com o historiador Jens Schjødt



A primeira edição da revista Scandia apresentará uma entrevista com o historiador dinamarquês Jens Peter Schjødt (Universidade de Aarhus), um dos maiores especialistas do mundo em Religião Nórdica da Era Viking. Nesta entrevista, o historiador tratará das fontes éddicas, do método comparativista, a realeza sagrada, os berserkir, as interpretações sobre o deus Odin, entre outros assuntos.
A primeira edição do Scandia: Journal of Medieval Norse Studies está aceitando propostas de trabalho para a sua primeira edição até o dia 15 de agosto de 2018.
 
Para maiores informações sobre normatizações no site da revista, clique aqui
 
http://periodicos.ufpb.br/index.php/scandia

sábado, 10 de março de 2018

SEXO E SEXUALIDADE NA ERA VIKING




SEXO E SEXUALIDADE NA ERA VIKING
 
“Conceito geral: O comportamento sexual nórdico na Escandinávia Medieval possuía um padrão duplo, tanto antes quanto depois da cristianização. Segundo John Haywood, a sexualidade masculina poderia ser concedida a mulheres adequadamente disponíveis (geralmente com alto status social), enquanto a sexualidade feminina era vista como possessão da sua família e sempre que possível, controlada. Isso não significa que as necessidades sexuais das mulheres não fossem levadas em conta. O sexo era considerado central para o casamento, e o fracasso de um homem em corresponder às expectativas sexuais de sua esposa era motivo de divórcio”. Fragmento do primeiro parágrafo do verbete ‘Sexo e sexualidade’ do DICIONÁRIO DE HISTÓRIA E CULTURA DA ERA VIKING (São Paulo: Hedra, 2017, 800 páginas). Outros temas debatidos neste mesmo verbete: Fontes sobre sexualidade nórdica antiga; Escravas, concubinas e sexo; Sexo, crime e tabu; Conceito de belexa e erotismo; Romance; Pornografia; Sexualidade feminina; Virilidade e satisfação sexual; Promiscuidade; Difamação sexual.

 
O Dicionário está disponível pela Amazon e Livraria Cultura 
 
 


quinta-feira, 8 de março de 2018

A mulher nórdica na Era Viking

 
A MULHER NÓRDICA NA ERA VIKING
 
"As mulheres na sociedade nórdica possuíam papéis bem distintos. Essa era comandada pelos homens e de cada um eram esperados determinados comportamentos e esses não podiam ser contrariados sem que houvesse algum tipo de punição. As mulheres não participaram de trocas comerciais ou de incursões, embora tenham participado claramente em viagens de exploração e assentamentos em lugares como a Islândia e a Vínland. As responsabilidades das mulheres sempre foram claramente definidas como domésticas. Tanto homens como mulheres que se aventuravam em tarefas e atividades não condizentes com o seu sexo, seriam execrados. Alguns desses comportamentos eram, inclusive, estritamente proibidos por lei. Segundo as Grágás, as mulheres eram de usar roupas masculinas, de cortar o cabelo curto ou de transportar armas. As mulheres viviam sob a autoridade de seu pai, na ausência desse, enquanto fossem solteiras sob a tutela dos irmãos ou parentes próximos e, do marido, depois de casada. Ela possuía uma liberdade limitada para dispor de seus bens pertencentes. Era proibida de participar da maioria das atividades políticas não podendo exercer a função de chefe, de juiz e não podia servir como testemunha e, em hipótese alguma podia ter voz em um þing. Mas, em contrapartida, as mulheres eram respeitadas e possuíam uma grande liberdade, especialmente quando comparadas com outras sociedades europeias da época. Elas conseguiam administrar as finanças da família e podiam supervisionar a fazenda na ausência de seu marido e exercer sua autoridade frente aos servos e escravos sem ser contestada. Na viuvez, elas podiam ser ricas e importantes proprietárias de terras e bens e podiam dispor de toda a sua fortuna como bem desejassem. Mas existiam leis protegiam as mulheres de várias atitudes masculinas indesejadas, como beijos forçados e estupro".

CAMPOS, Luciana de. Mulheres. In: DICIONÁRIO DE HISTÓRIA E CULTURA DA ERA VIKING. São Paulo: Hedra, 2017, pp. 513-514 (apenas recorte dos dois primeiros parágrafos do verbete).